Educação para a sustentabilidade
Por Edson Grandisoli*
03/08/2011 - “Como liberdade, justiça e democracia, sustentabilidade não possui um significado comum a todos.” John Huckle – Education for
Sustainability (2001).
O conceito
A palavra sustentabilidade tem sido utilizada nos últimos anos nos mais diferentes contextos e propósitos. Por esse fato, muitos autores têm afirmado que falar em sustentabilidade simplesmente perdeu o sentido, ou seja, se tornou apenas mais um jargão em discursos politicamente corretos.
Leonardo Boff, um dos participantes na elaboração da Carta da Terra, afirma que “se a sustentabilidade representa o lado mais objetivo, ambiental, econômico e social da gestão dos bens naturais e de sua distribuição, o cuidado denota mais seu lado subjetivo: as atitudes, os valores éticos e espirituais que acompanham todo esse processo, sem os quais a própria sustentabilidade não acontece ou não se garante a médio e longo prazos”.
As palavras de Boff trazem consigo uma das características centrais do conceito de sustentabilidade: a complexidade. O conceito moderno de sustentabilidade engloba, ao mesmo tempo, aspectos econômicos, sociais, ambientais, éticos, étnicos, políticos, culturais e comportamentais, os quais devem interagir de forma harmônica a fim de garantir a continuidade da vida no planeta, incluindo a nossa própria. Dessa forma, o conceito de sustentabilidade tornou-se a palavra de ordem – e a tábua de salvação – em quase todos os assuntos relacionados ao ser humano, seu ambiente, sua sociedade, sua economia, etc.
Dentro desse panorama, não é a toa que a palavra pode ter perdido seu significado original ao longo do tempo.
Entendendo sustentabilidade
A sustentabilidade tem ganhado espaço dentro da realidade de algumas poucas escolas no Brasil. As restrições do currículo atual, a falta de preparo específico e a grande amplitude do tema talvez sejam apenas alguns dos motivos por trás desse fato.
Na prática escolar, as possibilidades de trabalho com temas relacionados à sustentabilidade são quase infinitas. Mas afinal, como trabalhar com sustentabilidade na escola?
Movido por essa questão, em 2010, tive o privilégio de desenvolver, como consultor em conjunto com um grupo interdisciplinar de professores, um questionário com 40 questões (abertas e fechadas) sobre sustentabilidade, que foi aplicado a 113 estudantes do Ensino Fundamental II (6º a 9º anos) de uma grande escola paulistana. O objetivo do questionário foi investigar de forma mais consistente o que os jovens pensam e entendem sobre sustentabilidade e quais suas atitudes e comportamentos relacionados a ela. Considerei esse passo de investigação fundamental antes de iniciarmos qualquer tipo de intervenção em sala de aula ou fora dela.
Os resultados foram bastante animadores e gostaria de compartilhar alguns deles.
Na primeira seção do questionário, procuramos investigar como a sustentabilidade está presente no imaginário dos estudantes. Encontramos que:
•96% já ouviram falar em sustentabilidade;
•65% não estão inteiramente certos de seu significado;
•91% acreditam que todos deveriam agir de forma sustentável.
Logo de saída foi possível detectar uma aparente contradição relacionada à sustentabilidade. A grande maioria dos estudantes acredita que é importante agirmos de forma sustentável, mesmo sem saber exatamente o que é sustentabilidade. Ao mesmo tempo em que essa contradição parece negativa do ponto de vista conceitual, ela indica que o termo sustentabilidade está associado a algo positivo, que deve ser buscado e alcançado por todos.
Na segunda seção, procuramos investigar mais profundamente a compreensão dos estudantes relacionada ao conceito de sustentabilidade em si. Descobrimos que:
•71% acreditam que sustentabilidade tem como objetivo a preservação do meio ambiente e seus recursos naturais;
•Apenas um estudante apontou a si mesmo(a) como protagonista no processo de transformação do mundo em um lugar mais sustentável.
A forte associação entre sustentabilidade e preservação do meio ambiente não foi surpresa. Os melhores e mais divulgados exemplos de sustentabilidade sempre – ou na grande maioria das vezes – estão associados a uma vertente ambientalista/preservacionista/conservacionista, o que acaba resumindo o conceito de sustentabilidade a modos de melhorar a relação entre ser humano e natureza. Esse resultado vai ao encontro das ideias de Ricketts (2010), que afirma que historicamente o conceito de sustentabilidade nasceu de uma combinação de ideias e ideais do ambientalismo.
Por outro lado, apesar da visível preocupação com as questões ambientais presente no currículo escolar e documentos oficiais que norteiam nossa educação básica, as questões relacionadas à responsabilidade individual e cidadania ainda parecem distantes do pensamento e sentimento da esmagadora maioria dos estudantes avaliados. Somente um único estudante citou a si próprio(a) como responsável por tornar o mundo um lugar mais sustentável, ou seja, a responsabilidade e protagonismo está nas mãos de atores como o governo, as ONGs e os donos de indústrias, por exemplo. Esse distanciamento do papel de cidadão na busca pelo bem comum aponta, portanto, um caminho fundamental de trabalho com nossos estudantes.
Na terceira e quarta seções do questionário, avaliamos em conjunto atitudes e comportamentos dos estudantes por meio de afirmações que descrevem ações ligadas à sustentabilidade. Vale ressaltar que a grande maioria das respostas não apresentou diferenças estatisticamente significativas entre as séries analisadas. Avaliamos que:
•98% consideram a reciclagem como fundamental para a sustentabilidade;
•89% dos estudantes afirmam que sempre costumam reciclar no seu dia a dia;
•98% dos estudantes consideram que apagar a luz de cômodos onde não há ninguém é muito importante para a sustentabilidade;
•83% afirmam que sempre apagam a luz de cômodos vazios no seu dia a dia;
•89% consideram que comprar somente o essencial é muito importante para a sustentabilidade, porém, quanto mais velho o estudante avaliado, mais difícil se torna comprar apenas o essencial em seu dia a dia.
Questões como reciclagem, economia de água e luz parecem estar bem incorporadas ao dia a dia dos estudantes avaliados. Entretanto, quando esbarramos na questão do consumo, o cenário se altera sensivelmente.
Um caminho possível
Por muitos anos na minha carreira docente ouvi estudantes dizerem que “o fubá vem do bolo” e “o leite vem da caixinha”. Pode parecer engraçado na hora, mas essas afirmações acabam refletindo a desconexão dos jovens com a natureza.
De acordo com nossos resultados, o tema do consumo parece merecer destaque em projetos envolvendo o tema sustentabilidade, tanto por sua relevância na vida dos estudantes, como por permitir a construção de projetos que efetivamente abordem a complexidade envolvida na construção de um mundo mais sustentável.
Vamos considerar ainda mais três motivos que justificam esse enfoque:
•Segundo o IBGE (2010), 84% da população brasileira é urbana e, em geral, alheia ao impacto ambiental, social e econômico de seu consumo;
•Segundo o Ibope, mais de R$ 300 milhões são investidos em propaganda para estimular o consumo entre os jovens por ano;
•Consumo é um tema naturalmente interdisciplinar, promovendo a participação de diferentes áreas do conhecimento e estimulando a prática do ensino por projetos, que tendem a ser mais desafiadores e interessantes para estudantes e professores.
Em resumo, precisamos ensinar aos nossos jovens desde muito cedo que todo consumo gera um impacto econômico, social e ambiental. E, mais importante que isso, que TER não é a mesma coisa que SER.
Como fonte de inspiração, sugiro o documentário Criança, a alma do negócio, dirigido por Estela Renner.
O futuro
As gerações futuras devem ser educadas sobre como colaborar com a construção de um mundo mais sustentável desde agora, para que se tornem criticamente competentes e capazes de tomar decisões positivas do ponto de vista individual e coletivo.
Acredito que para iniciarmos de verdade uma Educação para a Sustentabilidade, um dos caminhos apontados pela nossa pesquisa é o de procurar explorar a complexidade de temas menores e ao mesmo tempo significativos para os estudantes e professores envolvidos.
Aparentemente, tratando-se de Educação para a Sustentabilidade, menos é mais.
Aparentemente, tratando-se de Educação para a Sustentabilidade, menos é mais.
O caminho trilhado no Reino Unido, na Escócia, no Canadá, nos Estados Unidos e na Austrália por meio das green schools já é antigo e conta com inúmeras investigações e experiências de sucesso, que vão desde a adaptação do currículo em função do tema sustentabilidade até a capacitação de professores e rearranjo completo da arquitetura escolar.
No Brasil, a história da sustentabilidade ligada à educação pode ser ainda considerada experimental – como o que acabei de apresentar – e conta com praticamente nenhum apoio nos documentos oficiais da educação básica.
Enquanto isso, vale novamente a coragem, a criatividade e a vontade de construir um futuro melhor para todos, marca registrada dos educadores brasileiros.
Para finalizar, gostaria de citar uma vez mais John Huckle: “… o papel chave da Educação para a Sustentabilidade é o de ajudar as pessoas a refletirem e agirem [...] e vislumbrarem futuros alternativos de uma forma mais consciente e democrática”.
REFERÊNCIAS
BOFF, L. Sustentabilidade e cuidado: um caminho a seguir. Disponível em http://pousio.blogspot.com/2011/06/leonardo-boff-sustentabilidade-e.html. Consultado em 21-07-2011.
HUCKLE, J. & STERLING, S. Education for Sustainability. Earthscan Publications Limited: London, 2001.
RICKETTS, G. M. The roots of sustainability, Acad. Quest. 23, 2010, pp. 20-53.
* Edson Grandisoli é biólogo, coordenador pedagógico da Escola da Amazônia e consultor em Educação para a Sustentabilidade.
Fonte: Envolverde (28/07/2011)
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